Abandono


A família juntava-se na igreja para dizer o último, adeus ao seu ente querido e acompanha-lo a sua última morada no cemitério.


Vi uma cadela a rondar sem se aproximar, lembrando-se do tempo em que vivia naquela família e talvez do dia em que foi abandonada no meio do caminho, por um dono que se aborrecera da sua companhia.
Aproximava-se devagarinho farejava os cheiros e os hábitos que ainda lhe eram tão familiares, reconhecendo os sons e os gestos que aprendera a amar e aos quais fora submissa.
Uma ou outra pessoa reparava nela e fazia-lhe umas festas reconhecendo-lhe o abandono e talvez até sentissem pena da pobre bicha, que de rabinho pendurado estremecia com medo que a espantassem dali por ela já não pertencer aquela família que ela amara tanto.

E quando se sentiu segura num lugar de onde poderia observar aquietou-se e ficou ali ignorada por uma multidão de gente e chorou por aquela que a tratara bem.

Diante dos seus olhos passou aquele que um dia fora o seu dono e que a trocara por outra que agora leva a seu lado presa por outra trela

Nesse instante senti bater ofegante e a dor no coração dessa cadelinha, que gemeu ao cheirar o odor que ficara no ar depois da sua passagem

O animal ergueu-se, levantou o focinho e foi embora sozinha...Eu fechei a minha janela e chorei porque senti o abandono daquela cadelinha

A diferença

Talvez tivesse pouco mais que 14  anos , trabalhava nas Fábricas de Bolacha Triunfo, quando comecei a estudar de noite mas era feliz.
Ambicionava ser veterinária mas o sonho escorregava-me das mãos, ao ter que trabalhar para ajudar meus pais e era feliz.
Desloquei-me a pé durante muito tempo e depois de bicicleta para o trabalho e fazia mais de 20 km diários com pouco mais de 10 anos e era feliz.
Com o 25 de Abril o sonho e a esperança deram-nos outro alento e perspectivou-se algo melhor para a vida, benéfico na velhice, com reformas dignas numa sociedade democrática onde as riquezas fossem repartidas pelos que contribuíam para economia da nossa querida nação livre da ditadura e da PIDE.
Sonho frustrado.
Hoje não estudas à luz da vela, ou do candeeiro a petróleo, já não escreve na tábua de ardósia, não andas a pé , nem começas a trabalhar aos 10 anos , mas não és feliz.
Apesar das novas tecnologias e de tudo estar a distancia dum clique, dormes intranquilo/a e sem esperança no futuro e não és feliz.
És escravo dessa revolução tecnológica, és manipulado por essa máquina da qual apenas és um número e não és feliz.
Por isso começo a ter saudades do tempo em que estudava a luz do petróleo e de muitas outras coisas que eu não tinha.
Há quem diga que se vive melhor agora.
Vive-se de fachada, aparência, pois a maioria do povo trabalhador passa dificuldades e ainda tem que pagar o dinheirinho que não gastou, nem viu, como os desfalque do banco do BPN, as derrapagens feitas pelos s burlões do governos e outras coisas mais que a justiça ilibou e ainda ajudou, pois o montantes desviados “ roubados “ continuam nas contas de quem arrecadou os euros da nossa Nação.
Pagamos os gastos, o carro o chofer  a gasolina e outras regalias que nem eu nem tu sabemos, desses funcionários tão públicos como qualquer um e que  adormecem no parlamento.

Um povo infeliz e escravo do poder que sustenta a guerra onde as bombas não explodem , nem  derrama de sangue, mas há morte

As minhas pinturas

Vendo

Por do sol Alentejano com um cheiro Africano

                                                        Monte Alentejano
                                                            Monte Alentejano

Saudades

Hoje vou abrir a minha janela de par em par, vou espreguiçar-me até ao horizonte e deixar  iluminar o mais pequenino recanto da meu ser para eu gritar bem alto no silêncio da minha saudade.

Saudades de mim quando ausente e distante do beiral da minha janela onde me debruço ou apenas me espreito por de trás da vidraça, saudades de partir e depois chegar, saudades de sentir saudade das gentes e dos lugares da minha ausência e sentir-me feliz por ter saudades.

Olho mais ao longe e deixo-me levar pelo pensamento que corre veloz ao encontro das lembranças que fazem crescer a ansiedade de partir novamente até as terras da Guiné Bissau .

Um misto de prazer e saudades invade-me as narinas ao recordar os cheiros dos ares guineenses ao mesmo tempo em que um arrepio me percorre o corpo  e me faz sentir nostalgica.

O projecto segue o seu percurso até a concretização da sua forma que será rumar até Guiné e ali trabalhar na Sala de Partos por uns 4 meses. Sou uma mulher de fé por isso creio que com a ajuda de DEUS realizarei o desejo do meu coração.

Com um suspiro profundo, fecho por hoje a minha janela, recolho-me com a minha saudade e fico espreitar por detrás das vidraças o lugar distante que me faz sentir saudades………..

Maldita crise

O relógio despertador sintonizado na antena 1, começa a tocar uns minutos antes do noticiário das oito, fazendo-me  acordar envolta numa espécie de paródia humorística , que me faz rir antes de abrir os olhos.


Ora hoje foi assim: O Rei de Espanha acaba de ter alta da clínica, onde esteve internado, por isso avisavam todos os elefantes que permaneçam em casa.

Dei uma gargalhada saborosa, para logo a seguir sentir um aperto do estômago com as noticias a dizerem que tudo está mau e muito, mau e mais mal. Desliguei o rádio, gesto que já se tornou rotina desde que, a crise e Troika se albergou em Portugal.
Depois fiquei a pensar com os meus botões sobre essa grande empresa que se chama crise e os negócios que ela envolve e nos muito milionários que ela tem feito derrapando ali e acolá, tem crescido e ajudado a crescer contas e patrimónios, ganhando causas a quem a denuncia, porque sem lei nem ordem, não há tribunal que a condene pelo simples facto de serem iguais.

E senti pena do Zé-povinho do qual eu sou membro e que para alem de ser obrigado a alojar a crise, ainda a tem que alimentar até que engorde os bolsos da nação e do qual fomos excluídos, quando fomos despejados dos bens adquiridos e conquistados ao longo da nossa vida.
Ferveu-me o conteúdo gástrico no estômago ainda vazio de alimentos e uma espécie de dor apertava-me o peito enquanto preparava o pequeno-almoço e colocava o almoço na lancheira para levar para o trabalho.

Um flash de memória, levou-me por um instante até a casa dos meus pais, no tempo da ditadura que nos obrigava a morar com a opressão , que colocava a todos os portugueses uma mordaça na boca.

Arrepiei-me com essa lembrança e quase me engasguei ao morder o pão, “ pão que o diabo amassou” e que mesmo esse vai faltando na mesa de muitos portugueses e a crise ainda diz que se vai manter por mais tempo.

Decretemos falência a essa empresa corrupta de negócios sujos e vamos acreditar que Deus vai libertar o povo da tirania dessa crise ditadora e terrorista e devolverá a liberdade e os bens agora penhorados. Porque quero acordar sem dor no peito e no estômago.

Parabéns meu Amigo

Na quarta feira às 7horas da manhã, iniciava a viagem até Coimbra., para assistir exame de doutoramento dum amigo “irmão do coração” família que o nosso coração escolhe e passa em todos os testes que a vida nos faz e permanece para sempre nos nossos corações capaz de vencer qualquer obstáculo como a distância e o tempo.


Cheguei a Coimbra, mais propriamente à Universidade, ainda cedo para o evento dando-me a oportunidade de espreitar alguns lugares dos miradouros que rodeiam aquele lugar onde também cursei.

O rio Mondego estendia-se diante dos meus olhos, que semicerrados tentavam ir muito para lá do alcance da minha visão, fazendo-me acelerar as pulsações e arfar de prazer o ar impregnado dos cheiros tão presentes ainda na minha memória.

E aquela lágrima cheia de loucura saltou rolando pelo meu rosto para me fazer dar uma gargalhada extasiante quando me perguntaram se eu estava a chorar.

-É a saudade, respondi.

Na sala do Capelo mesmo por debaixo da torre do relógio, mais conhecido por “a cabra”, o meu amigo Serafim iniciava a apresentação da sua tese que se foi alongando nas horas e terminou passava das 14horas para depois esperar-mos pela veredicto do júri

Foi a primeira vez que assisti a um evento destes e nem imaginava o duro que era a defender uma tese num exame destes. Eu estava ansiosa, nervosa e curiosa.

Alguém chamou para voltamos a entrar na sala, onde se encontrava já o porta-voz do júri que anuncia que o Dr. Serafim de Carvalho estava aprovado com louvor e destinação.

Senti-me orgulhosa, o sangue que me corria nas veias escaldava pela aceleração com que era bombeado, a minha visão turvou pelas emoções que se amontoaram até chagar naquele instante.

Corri dentro de mim com os braços abertos, enquanto esperei que terminassem todos os abraços que o envolviam, no meu peito formava-se uma tempestade de alegria, orgulho e vaidade por aquele amigo que vem de longe desde a juventude comigo até estes dias acrescentando no percurso da vida a amizade da família que criou, mulher e filhos.
Obrigada à tua família linda. Parabéns Serafim...Dr. Serafim.

Esquecer

Chega até mim o chilrear das andorinhas e dos pardais que no beiral do meu telhado e na árvore por baixo da minha janela, reconstroem os ninhos e anunciam a chagada da primavera.


Estendo o olhar através da planície e quase oiço o gemido dos campos e reclamar pela agua que não choveu no Inverno.

E mergulho nos meus pensamentos, que ultimamente reclamam nos porquês de certas existências e nos ses, que nos atropelam a vida e nos marcam o coração com cicatrizes para sempre.

E se pretendes que alguém te oiça um momento, a palavra que ouves mesmo antes de fazer algum desabafo é: Esquece, ou tens que esquecer.
Pergunto-me tantas vezes como isso se faz? Porque eu quero esquecer tanta coisa que me faz doer a alma e o coração.
Quantas vezes ouvem gente dizer, eu esqueci, eu passei a frente e a seguir contam a história que estava esquecida e apagada como se tivesse sido passada no dia anterior sem esquecer nenhum dos pormenores que as fizeram sofrer.
Isso é esquecer?

O vento

Acordou-me esta noite, ao passar pela minha janela, esbarrou de encontro a veneziana num estrondo que me fez saltar da cama, meio estremunhada e assustada.
A Kika que também dormia junto aos meus pés, deu um salto e ficou pasmada a olhar para a janela  onde vento havia esbarrado ao passar.
Levantei-me e fui espreitar.
A rua estava deserta, as casas adormecidas. Ouvia-se apenas o zumbir do vento na torre das telecomunicações e na esquina da casa do lado a fazer-me companhia por muito tempo até que o vendaval se acalmou e partiu levando consigo o sono que me roubou deixando-me na companhia das minhas lembranças até ao acordar de mais um dia.
Lembrei-me da nossa conversa e sorri, porque me fizeste recordar  do tempo em éramos uns jovens inconsequentes, quando a vida nos parecia inesgotável e o futuro pertencia a só DEUS. Lembrei do teu mini estacionado ao lado do meu e dum futuro para muito depois sem qualquer pressa de alcançar.
Esta a sorrir ainda quando o frio me trouxe-me de volta á realidade.
 Kika estava refastelada no lugar que lhe competia, abria os olhos meio ensonada e arreliada por eu estar à  janela, a  miar-me com alguma insistência,quem sabe a dizer para eu me deitar e adormecer.